Nas traseiras da avenida, a janela aberta sobre a noite acolhe a mulher que respira o cenário dominado por uma árvore no jardim cercado de plataformas de cimento, onde repousam automóveis sem motores e anexos clandestinos. Absorto no seu carácter vegetal, o jacarandá ignora a voragem da cidade que o estrangula. Um avião cintila, cresce e deixa de existir. No exterior nada mexe, só uma levíssima aragem sacode o espaço e entra sem pôr em desalinho os papéis arrumados sobre a secretária, dar vida às notícias esquecidas nos jornais da véspera ou lançar uma tempestade de areia, que agite as fotografias do deserto, penduradas na parede.
O homem aproxima-se da mulher, agora de costas na moldura vazia da janela, e tocam-se. Fecham-se as vidraças, apaga-se a consciência do lugar na concha da noite, suspende-se o tempo nos relógios que perderam os ponteiros. As narrativas do passado, de que tinham trocado breves excertos, são paralelas. Ambos sabem que a linguagem mistifica o sonho, destorcido pela realidade. Na ferocidade do desejo, na exaltação de um corpo inseparável de outro corpo, em silêncio, a mulher e o homem limitam-se a celebrar o reencontro.
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