quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Natal 2007

ao meu pai e ao Ronald, mesmo que eles não saibam

[...]
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo
[...]
David Mourão-Ferreira

Começamos a afastar-nos da infância quando o Natal deixa de ser o momento em que magia e realidade se fundem, mas encenamos ainda a inocência, para satisfazer o esforço de pais, tios e avós.
Mais tarde, os doces que devoramos deixam um travo amargo na boca, que perdura durante as festas: é o protesto da vesícula e a náusea da alma perante as cadeiras vazias e os nomes que não ousamos pronunciar.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Revelação

Nada
nas palavras se revela
para além da carne
das sílabas feridas
na colisão dos sons. De súbito,
os sentidos acendem a memória.

O mar, por exemplo, recorta-se
nas rochas, imóvel como um quadro
pendurado do céu.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

contra(o)tempo


parto
à procura das peças do puzzle
inacabado

no areal
cicatrizes da ausência
denunciam as metamorfoses do mar
e do amor

levo sobre os ombros
a brancura cega de um lençol

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Aos meus amigos

Os amigos não lêem este blogue, coisa de nada, perdida nem eu sei onde.
Os amigos reúnem-se, enchem as salas de vozes, risos, discutem muito, ainda, alguns deles. Outros cansaram-se de falar e de ouvir, julgam saber sempre o que vai ser dito quando, na verdade, ensurdeceram ao som dos sonhos. Os amigos têm rugas novas no rosto, engordaram, tiveram filhos, descobrem os netos, reinventam emoções. Os amigos não são sedentários, viajaram por todos os continentes, esqueceram o número de países visitados, atravessaram o tempo, não salvaram o mundo.
Os amigos conhecem-se há muitos anos e, mesmo se hoje fingem não se ver, a memória está carregada de fotografias que alguém tirou, a propósito de qualquer coisa que se viveu em comum. Os amigos, às vezes, ainda riem até às lágrimas, e já houve lágrimas que não eram de rir.
Os amigos, conjugo-os no presente, todos os dias, porque sem eles, em cada manhã, morreria o dia.