quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

As magnólias

Cresceram. As flores carnudas alastram nos ramos das jovens magnólias. Parece improvável que os troncos possam suportar a desproporção do cálice aberto, a voracidade das pétalas. A cor da rosa colada à carne é um desvio, um halo de candura.
Passo a passo, cerco as magnólias. Procuro, sem êxito, o ângulo para as fotografar na sua vitoriosa desmedida.    

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

O dia em que começou a Primavera


Declaro solenemente, mesmo que não haja ninguém para me ouvir, que hoje, dia 11 de Fevereiro, começou a Primavera do ano de 2009.  Não quero saber se o início da minha Primavera não respeita o calendário oficial nem a minúcia das delicadas posições dos astros entre si. Sei, com o ritmo cardíaco a ganhar velocidade, que o Inverno acabou. Numa zona ainda em construção da cidade vi, ao começo da tarde, meia dúzia de magnólias muito jovens ostentarem as primeiras flores: enormes, cor-de-rosa, sem pudor.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Lugares


Nenhum lugar tem um valor absoluto. Sei que se pode sussurrar, através de ruelas, praças e pontes, «Que c'est triste Venise», na certeza do desamor sem remissão, e ao mesmo tempo sentirmo-nos apaziguados pela violência da beleza à beira da ruína.
Amo o Porto com o corpo inteiro, a memória debruçada sobre o Douro, a ponta dos dedos esticados quase a tocar a outra margem, o desejo de que o relógio pare, a noite nunca acabe e o Alfa pendular esqueça o trajecto de regresso a Lisboa.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

À deriva


                  Com a Teresa, a Zizas, o Luís Miguel por companhia

Uma amiga morreu. Outra amiga morreu. Ambas morreram de cancro. Um amigo morreu. Foi assassinado. Sempre viveu com um pé para cá e outro para lá de uma linha fluida a que se pode chamar limite. Entre segurança e medo, entre riso e terror, entre  ternura e sarcasmo. Fazem-me falta os amigos que morreram. A vida de cada um deles é uma narrativa diferente das outras, mas cruzam-se em mim. A minha história não seria a mesma se eles não participassem nela e não me tivessem transformado sem eu dar por isso. Eu não seria eu sem a presença distante da minha vizinha das casas geminadas onde vivemos na infância, sem o amor incondicional que resistiu ao carácter secreto da minha amiga,  ao afastamento da adolescência, à distância geográfica da idade adulta. Foi um amor sofrido, porque a escolhi para irmã e só muito mais tarde descobri que não é possível exigir aos afectos a reciprocidade de uma imagem no espelho. Eu não seria eu sem o constante zelo da minha outra amiga que morreu. As mágoas da orfandade transformou-as numa rede em que  baloiçávamos confiantes na atenção do seu olhar. Eu não seria eu sem as gargalhadas e a tristeza do meu amigo poeta, sem as palavras que ele disse, sem as palavras que escreveu. Sem eles eu não seria eu, porque foi neles que me reconheci na premência do amor, na constância da amizade, no desejo que espia o abismo. Os meus amigos vivem.