Com a Teresa, a Zizas, o Luís Miguel por companhia
Uma amiga morreu. Outra amiga morreu. Ambas morreram de cancro. Um amigo morreu. Foi assassinado. Sempre viveu com um pé para cá e outro para lá de uma linha fluida a que se pode chamar limite. Entre segurança e medo, entre riso e terror, entre ternura e sarcasmo. Fazem-me falta os amigos que morreram. A vida de cada um deles é uma narrativa diferente das outras, mas cruzam-se em mim. A minha história não seria a mesma se eles não participassem nela e não me tivessem transformado sem eu dar por isso. Eu não seria eu sem a presença distante da minha vizinha das casas geminadas onde vivemos na infância, sem o amor incondicional que resistiu ao carácter secreto da minha amiga, ao afastamento da adolescência, à distância geográfica da idade adulta. Foi um amor sofrido, porque a escolhi para irmã e só muito mais tarde descobri que não é possível exigir aos afectos a reciprocidade de uma imagem no espelho. Eu não seria eu sem o constante zelo da minha outra amiga que morreu. As mágoas da orfandade transformou-as numa rede em que baloiçávamos confiantes na atenção do seu olhar. Eu não seria eu sem as gargalhadas e a tristeza do meu amigo poeta, sem as palavras que ele disse, sem as palavras que escreveu. Sem eles eu não seria eu, porque foi neles que me reconheci na premência do amor, na constância da amizade, no desejo que espia o abismo. Os meus amigos vivem.
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