domingo, 28 de dezembro de 2008

Retalhos de narrativas por contar

O presente abre-se, dia após dia, como um espelho de memórias de afectos e desafectos, de sonhos e de feridas cobertas por uma pele fina. Essas imagens são retalhos de narrativas por contar. Que palavras despertam na ausência de um grão de voz, da concha de um ouvido mais ou menos atento? De que serve tirar uma radiografia à agenda com páginas em branco e horas amarrotadas por pisa-papéis de pedra? Perderam-se os calendários por onde alastravam manchas de monólogos que o eco fazia ressoar, ensurdecedores. Cresce ainda a nostalgia da inteireza do ser e do tempo em que o conceito era uma proclamação de vida, murmurada vezes sem conta: «Põe tudo quanto és/No mínimo que fazes». Esfaceladas as certezas, sobram algumas convicções e um instinto de sobrevivência que recusa transportar de casa em casa uma escrivaninha com gavetas esconsas, onde se amontoam, sem nexo, notas, mapas, cartas, fotografias, cartões de visita. Através da vidraça lança-se, por fim, o olhar intacto na lucidez dos desencontros.

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